A cientista social chefe de BOHEMIA, Caroline Jones, conta com 20 anos de experiência a trabalhar na África Subsariana na implantação e prestação de cuidados de saúde, com especial incidência na malária. Trabalha atualmente como cientista social chefe no KEMRI – Welcome Trust Research Programme, no Quénia, sendo também professora associada no Centro de Medicina Tropical e Saúde Global da Universidade de Oxford

Quando era criança, sabia o que queria ser quando fosse grande? Já queria ser cientista?

Não, queria ser pilota de caças Harrier, mas a minha vista é muito má e, já de adulta, comecei a ter medo das alturas –não é mesmo a melhor combinação para pilotar aviões!

Que pessoa ou situação a inspirou para trabalhar com a malária?

Não diria que fui “inspirada” por alguém ou alguma coisa para trabalhar com a malária. Foi algo que acabei por fazer sem planear. Contudo, depois de começar, senti-me “contagiada”, essencialmente devido à influência do Professor David Bradley, que, em meados da década de 1990, criou uma equipa de pessoas com historiais e experiências profissionais muito diferentes com o fim de desenvolver uma nova forma de abordar a malária. Por exemplo, no início da minha carreira como antropologista, passei oito anos na Austrália, tendo vivido uma grande parte desse tempo entre os Yolgnu, uma população aborígene australiana da península de Yirrkala, na Terra de Arnhem, no Nordeste, onde tomei contacto com a sua forma de vida quotidiana, e em torno da qual realizei o meu Doutoramento, que se debruçava sobre as influências estruturais e culturais na sua alimentação e na sua saúde. Ao regressar ao Reino Unido, trabalhei em investigação sobre nutrição infantil e crescimento, assim como sobre os cuidados na fase do fim de vida. E foi assim que, sem qualquer experiência na malária, em 1995, me candidatei a um posto de trabalho na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, no recém-criado Programa de Investigação sobre a Malária. Trabalhar no seio de uma equipa multidisciplinar (epidemiologistas, estaticistas, geógrafos, médicos, entomologistas, economistas da saúde), em que todos os seus elementos se focavam na mesma questão, mas abordando-a de ângulos diferentes, foi extremamente inspirador e educativo. Acho que essa experiência cimentou o meu interesse e moldou a minha carreira nos 25 anos seguintes!

Qual foi a primeira coisa que pensou acerca da utilização da ivermectina para o controlo da malária?

É uma abordagem inovadora e interessante que tem potencial, numa altura em que estamos a fazer frente a desafios muito reais ligados à resistência aos inseticidas e à transmissão no exterior.

É a cientista social chefe no projeto BOHEMIA. Quais são as principais funções de um cientista social?

Neste projeto, o meu principal papel enquanto cientista social é assegurar que as necessidades e os direitos das populações locais são reconhecidos, e que os seus pontos de vista são respeitados. Visamos garantir que vozes das populações são ouvidas à medida que vamos planeando a implementação da administração massiva de fármacos, e que as experiências e as perspetivas destas são compreendidas e incorporadas na avaliação da eficácia da administração massiva de ivermectina. Seja qual for a eficácia de uma nova ferramenta de controlo da malária, que esta se torne efetiva dependerá da sua relevância e da sua facilidade de utilização para os fornecedores e recetores da intervenção. Em termos mais amplos, a investigação em ciências sociais pode ajudar a desafiar pressupostos relacionados com a malária, abordar o carácter sociotécnico e político da malária, bem como as medidas desenvolvidas para o respetivo controlo.

Como é que estabelece uma relação de confiança com as comunidades envolvidas no projeto?

Requer um compromisso a longo prazo por parte das instituições de investigação para demonstrarem que estão interessadas no bem-estar das comunidades locais, e que não pretendem apenas levar a cabo os seus próprios planos de investigação. Têm de definir‑se planos que tornem lícitos os pontos de vista e as preocupações dos membros da comunidade, não apenas como um evento esporádico, mas como um trabalho de anos de compromisso. A confiança leva o seu tempo a desenvolver-se, e requer saber escutar – para ganhar confiança, temos de estar disponíveis para ouvir, e não assumir que a nossa maneira de fazer as coisas é a correta. Temos de estar mais dispostos a aprender do que a ensinar.

Em que medida é que a COVID-19 afetou o seu trabalho na comunidade? Estão a desenvolver atividades de adaptação à COVID-19?

Sim, já o fizemos, e há efetivamente um dilema ético no que concerne a levar cabo trabalho de campo etnográfico e um ensaio clínico nestas circunstâncias. Tivemos de alterar radicalmente a nossa abordagem, sendo já um processo em curso.

Na sua opinião, o que é que faz falta para vencer a malária, e qual acha que pode ser o papel de BOHEMIA?

A malária é um sintoma de iniquidade – as pessoas com meios económicos raramente morrem de malária. Reduzir a iniquidade é a forma mais eficaz de proteger as pessoas vulneráveis da malária. Contudo, os passos necessários para abordar estes problemas fundamentais não são muito apelativos para os doadores internacionais, nem para os governos nacionais! Normalmente, o que se financia são novas ferramentas e tecnologias eficazes. O objetivo de BOHEMIA é gerar evidências da eficácia da ivermectina como uma nova ferramenta de controlo da malária para adicionar ao leque já existente e, nessa medida, os resultados vão proporcionar a informação necessária para que a OMS possa fazer recomendações acerca da sua utilização e, por conseguinte, os responsáveis políticos a nível nacional possam tomar decisões com base em evidências acerca da sua implementação.

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Caroline Jones, University of Oxford