Khadija Nuru e Kahindi Kazungu, assistentes de investigação do projecto BOHEMIA, partilham as suas experiências de etnografia antes do ensaio da malária

Texto: Murchana Roychoudhury, responsável pela comunicação, projecto BOHEMIA

As investigadoras de BOHEMIA, Khadija Nuru e Karisa Kahindi Kazungu, participam em actividades comunitárias no âmbito da investigação etnográfica

As investigadoras de BOHEMIA, Khadija Nuru e Karisa Kahindi Kazungu, participam em actividades comunitárias no âmbito da investigação etnográfica

Numa segunda-feira de manhã de outubro de 2022, Khadija Nuru e Karisa Kahindi Kazungu chegaram às instalações de KEMRI-Wellcome Trust, para o seu primeiro dia de trabalho num novo emprego. Estavam longe de imaginar que as funções de “Investigador Assistente” trariam consigo uma componente prática na área da etnografia, longe do escritório, a viver nas povoações inseridas no estudo no âmbito do projeto BOHEMIA. Caroline Jones, a responsável pela área de ciências sociais do projeto acredita que a inclusão das opiniões das populações locais é primordial para o sucesso dos ensaios clínicos, especialmente aqueles que envolvem a administração massiva de medicamentos (MDA). «Visamos garantir que as vozes das populações são ouvidas à medida que vamos planeando a implementação da administração massiva de fármacos (MDA), e que as experiências e as perspetivas destas são compreendidas e incorporadas na avaliação da eficácia da administração massiva de medicamentos», explica Jones. Para atingir esses objetivos, Nuru e Kahindi, fizeram as malas e foram viver nas várias povoações Msambweni e Lungalunga, subcondados de Kwale. 

Para Kazungu, investigadora de saúde pública, a realizar atualmente o seu mestrado em epidemiologia e bioestatística, o controlo de vetores é um tema que lhe é familiar. Já trabalhou em projetos de saúde sobre tópicos tais como a tungíase e a monitorização integrada de vetores no gado, e estava suficientemente confiante acerca das atividades de observação participativa que tinha de levar a cabo. O maior desafio que teve de enfrentar foi encontrar um quarto com casa de banho. «Na área do estudo, as casas de banho costumam ruir durante a estação das chuvas, já que o solo utilizado na construção destas é arrastado nas enxurradas», conta. 

Nuru, originária de Kwale, tem um diploma universitário em sociologia e estudos religiosos, e trabalhou anteriormente em várias investigações em saúde, assim como em programas de empoderamento juvenil para sobreviventes de violência de género em Mombasa. Apesar de ser da mesma região da comunidade participante, Nuru teve de aprender digo, a língua local, que tem muitas similaridades com o kiswahili. Sublinha um facto histórico interessante sobre outra tribo da região, os Makonde: «Também conhecidos como Wamakonde, originários de Moçambique, os seus antepassados foram trazidos para o Quénia para trabalhar como trabalhadores nas plantações de sisal, durante a época colonial». Esta é uma coincidência, uma vez que o projecto BOHEMIA acaba de concluir o seu primeiro MDA em Moçambique.

Khadija Nuru e Karisa Kahindi Kazungu

Encontrar pontos de partilha e gerar confiança

«As pessoas vão aceitando a minha presença. Estão dispostas a falar e a envolver-me em inúmeras atividades da aldeia», conta Kazungu. Nuru tem uma experiência semelhante, «apesar de esta ser a primeira vez que a comunidade está a participar numa investigação etnográfica, não se mostram inseguros e têm sido calorosos e hospitaleiros».

Por sua vez, as investigadoras fazem todos os possíveis para se integrarem na vida diária dos seus vizinhos. Todos os dias, Nuru e as suas amigas vão com bidões buscar água aos poços. Kazungu ordenha as vacas da família que a alberga, colhe melancias e lavra os campos com a ajuda de dois bois. Participar nestas atividades quotidianas proporciona uma oportunidade para ter uma compreensão mais profunda das vidas da comunidade. Por exemplo, as investigadoras aperceberam-se de que os homens são os principais tomadores de decisões dentro dos agregados familiares. Às vezes, evitam que as mulheres participem em grupos de discussão. Estas observações são importantes e serão tidas em conta ao conceber a estratégia de implementação da MDA. As investigadoras puderam identificar com sucesso oportunidades e plataformas que propiciam a união dos aldeões. Ao assistirem a eventos sociais como funerais, casamentos, “chamas” (grupos femininos de microfinanciamento), jogos de futebol, kumtoa mtoto nje” (anúncio da gravidez) e a rito de passagem para a idade adulta” dos rapazes da tribo Maconde, as investigadoras conseguiram encontrar pontos de partilha e ganhar a confiança da comunidade.

Mais do que medicamentos

A investigação em ciências sociais pode captar pontos de vista essenciais que, caso contrário, poderiam passar despercebidos se as MDA fossem concebidas apenas tendo em conta a investigação clínica e os aspetos logísticos. Quais são os momentos mais adequados para visitar os agregados familiares com base nos padrões de ocupação? Como mobilizar os habitantes para se apresentarem à mesma hora e no mesmo lugar? Como pôr fim à difusão de desinformação? Nenhuma destas perguntas pode encontrar uma resposta sem o trabalho de fundo crucial levado a cabo pela equipa de ciências sociais, no âmbito do estudo sobre a malária.

A investigação etnográfica de Kazungu revelou igualmente que uma quarta parte dos habitantes de uma destas aldeias vivia em terras propriedade de uma empresa açucareira, pelo que se mostravam inicialmente céticos e desconfiavam que o projeto fosse uma tentativa da empresa de distribuir drogas venenosas para obrigar as pessoas a abandonarem as suas terras. Ao ter conhecimento desta situação, foi capaz de esclarecer as intenções do projeto, garantindo assim que essas crenças infundadas não se transformassem em desinformação. 

Muitos acreditam que a malária é um tipo de gripe que se pode vencer sem medicamentos nem hospitais. Entretanto, Nuru descobriu também uma série de perspetivas únicas na sua aldeia. Contaram-lhe que os aldeões recebem imensos medicamentos, muitas vezes, mais medicamentos do que assistência alimentar. Mas, no entanto, era a primeira vez que se realizava uma campanha de sensibilização. «As pessoas fazem a sua própria pesquisa antes de tomarem os medicamentos. Esperam até ver como é que as outras pessoas reagem à medicação durante uma MDA, antes de tomarem elas próprias os medicamentos», explica.

As investigadoras estão novamente no escritório e procuram incorporar todas as considerações retiradas das suas experiências na conceção da MDA, adaptando a mesma para proporcionar uma maior aceitação e contornar barreiras culturais.