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Associar os veterinários à luta contra a malária

Mussa Sale uniu-se ao projeto BOHEMIA como arquivista, para arquivar os formulários de consentimento informado recolhidos durante o ensaio com ivermectina. Estava preparado para passar os próximos meses numa pequena sala rodeado de pilhas de papel e folhas de Excel. Não era propriamente o trabalho de sonho para um veterinário.

Mal ele sabia que o projeto iria em breve dar início ao seu braço veterinário, e ele passaria a coliderá-lo. «Tendo crescido no meio rural de Moçambique, estive sempre rodeado de animais como gatos, cães e vacas. A uma idade jovem fui consciente das interdependências entre humanos e animais. Ao longo do tempo, essa curiosidade transformou-se num desejo de explorar essas relações, e decidi estudar ciências veterinárias», conta Mussa.

Almudena Sanz, a colíder do braço veterinário de BOHEMIA uniu-se inicialmente ao projeto com o fim de investigar a relação existente entre a transmissão da malária e os animais domésticos em Mopeia no âmbito da sua tese de Mestrado. «Durante a minha investigação, apercebi-me de que a ligação entre a saúde humana e animal era pouco explorada nas abordagens destinadas a combater a transmissão de doenças», explica Almudena. E acrescenta: «Meses mais tarde, fiquei muito entusiasmada ao descobrir que iria liderar o âmbito da saúde animal do projeto junto a Mussa.»

Com base na abordagem One Health (Uma Só Saúde), Almudena e Mussa definiram as atividades veterinárias do projeto. Essas atividades estão inseridas no âmbito mais abrangente do recente lançamento da administração massiva de ivermectina no distrito de Mopeia, em Moçambique. A equipa está atualmente a administrar ivermectina, um endectocida, ao gado bovino e suíno no ensaio aleatorizado por conglomerados. Dado que alguns mosquitos são zoofágicos, ou seja, alimentam-se, pelo menos parcialmente, de animais, pode-se obter uma maior redução da transmissão da malária nessas zonas, comparativamente com aquelas onde apenas os humanos receberam o tratamento.

Além da testagem do fármaco contra a transmissão da malária, o braço veterinário monitoriza também a sua eficácia na saúde dos suínos, através da recolha de dados acerca de endoparasitas e ectoparasitas. «Um decréscimo das taxas de prevalência de parasitas poder-se-á traduzir em taxas mais baixas de proliferação de doenças infeciosas e zoonose, mas estamos igualmente interessados em explorar as vias diretas e indiretas através das quais os parasitas dos animais domésticos afetam a saúde humana, a nutrição e a produtividade económica», explica Mussa. «Através da abordagem One Health, esperamos que este projeto vá mais além da malária, e possa influir de maneira positiva nos rendimentos e na segurança alimentar dos habitantes de Mopeia.»

Um conceito de ensaio que abre o caminho para outros projetos One Health

A logística é um dos principais desafios para um ensaio desta natureza. Começando por assegurar a disponibilidade do fármaco, a dupla também coordena as tarefas diárias dum grande grupo de técnicos de campo e laboratório. «Temos de proporcionar de forma contínua transporte, ivermectina, seringas, agulhas e amostras, para referir alguns aspetos», admite Almudena. «Graças ao censo prévio ao ensaio, não nos deparamos com muitas dificuldades na identificação e seguimento dos animais que participam no estudo. Contudo, a nossa maior dificuldade atual dá-se no acesso às aldeias. Mopeia é um distrito muito vasto, e o ciclone Gombe e as suas tempestades associadas que assolaram recentemente o canal de Moçambique causaram uma tremenda devastação, inundando áreas enormes e isolando-as do resto do país», esclarece Almudena. As equipas de campo estão a preparar planos de contingência e a adotar canais não convencionais para terem acesso à comunidade, chegando a utilizar, nalguns casos, barcos a remos na zonas afetadas pelas cheias.

Mussa e Almudena expressam que se a abordagem do projeto for bem-sucedida será um exemplo para demonstrar que as colaborações entre os profissionais médicos e de veterinária podem abrir portas para uma investigação conjunta, especialmente nos contextos rurais e agrários. Afirma Almudena: «A abordagem One Health é transdisciplinar e assenta na comunidade. Esperamos que um dia BOHEMIA ajude a abrir o caminho para outros projetos semelhantes.» E Mussa conclui: «Como a maioria dos africanos, sempre vivi com a ameaça constante da malária. Sinto-me grato por fazer parte dum projeto como este, com o potencial de mudar a vida do meu povo.»

Atualmente, Moçambique representa 4,2% dos casos de malária e 3,8% do total de mortes causadas por malária a nível mundial. Por conseguinte, é um dos seis países que abrangem mais de metade de todos os casos de malária a nível global. Portanto, o êxito de projetos como este pode aproximar Moçambique da erradicação da malária.

A equipa ‘Saúde Animal’ do projecto BOHEMIA

Sobre o consórcio BOHEMIA

BOHEMIA é um consórcio dirigido pela ISGlobal e apoiado pela Unitaid. Inclui três instituições africanas: o Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM), em Moçambique, o Kenya Medical Research Institute (KEMRI) e o Ifakara Health Institute (IHI), na Tanzânia; e três parceiros académicos: o Hospital Universitário de Berna, a Universidade de Oxford e a Virginia Tech.