Nércio Machele, Oficial de Comunicações do Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM) discute a importância das ciências sociais na investigação em saúde com Felizbela Materrula, Coordenadora da componente social do BOHEMIA e Pesquisadora em Sociologia da Saúde e Antropologia Médica, na Área de Estudos de População do CISM.

Residentes do distrito de Mopeia presentes no lançamento do ensaio da BOHEMIA sobre a administração maciça de medicamentos (Foto: Nércio Machele, CISM)

“O que me levou a seguir as ciências sociais foi o gosto de trabalhar com as pessoas. Ao estar a pesquisar nessa componente, somos obrigados a trabalhar com questões culturais, políticas, religiosas ou sociais, portanto, há sempre aquela interação entre o nosso objecto de estudo e o que pretendemos estudar/investigar. Mas também, em ciências sociais, há sempre aquele gosto de procurar uma solução para um problema específico da vida social”, diz Felizbela Materrula, Pesquisadora em Sociologia da Saúde e Antropologia Médica, na Área de Estudos de População do CISM, que coordena actualmente a componente social no âmbito do projecto BOHEMIA.

Melhorar as condições de saúde e mudar os comportamentos

Materrula, defende que a implementação de estudos socio-comportamentais nas comunidades pode trazer impactos positivos, pois, tem potencial para promover a melhoria das condições de saúde das comunidades, como também, a mudança de comportamentos, pois, “por exemplo, no projecto BOHEMIA para além de convidarmos os membros da comunidade a aderirem as campanhas, também, sensibilizamos a seguirem outros métodos de prevenção contra a malária, nomeadamente o uso correcto das redes mosquiteiras, a pulverização intradomiciliar, etc.

Para além da malária, não nos isentamos de abordar a problemática de saúde pública na actualidade, a COVID-19, aproveitando a nossa presença para sensibilizar as comunidades sobre os métodos de precaução impostas pelas autoridades sanitárias”.

Situando projectos de saúde em contextos culturais

Aliás, segundo a pesquisadora, as comunidades deparam-se com outros problemas relacionados à área de saúde, que como profissionais devem reportar às autoridades competentes e junto à elas, envidar esforços para a sua resolução. “Um dos exemplos, foi um cenário que verificamos na localidade de “Lua-Lua”, no distrito de Mopeia, onde muitos residentes foram influenciados pela música de um cantor sobejamente conhecido, o Irmão Mbalua, que versa sobre o sinal da besta na qual ele diz que no âmbito da pandemia da COVID-19, todo medicamento que é dado às pessoas serve para marcá-las com o tal sinal. Isto fez com que tivéssemos muitas recusas de aceitabilidade para o projecto, em algumas áreas do Distrito, visto que questionavam se o que fazíamos, não era iria marcá-las com o “sinal da besta”. Mas também, no mesmo período, as comunidades tinham a ideia de que pelo facto de nós sermos portadores de máscaras, erámos portadores do vírus SARS-CoV-2”, comenta a pesquisadora.

Materrula acrescenta que, é através destes estudos etnográficos, que se conseguiu no contexto do projecto Bohemia desenvolver acções junto com as lideranças comunitárias, o governo e as próprias comunidades, ganhar confiança e criar estratégias de sensibilização das comunidades para que aceitassem a administração massiva de medicamentos, assim como a vacina contra a COVID-19, uma vez que esta não tinha nenhuma relação com o “sinal da besta”.

Construir confiança e envolver a comunidade

“Não é fácil uma equipa médica, que pretende implementar um estudo, chegar a uma comunidade e dizer que vai fazer administração de um medicamento. É necessário que se criem antes condições para que a comunidade perceba o propósito do estudo e dê o seu consentimento. Para que esta administração não afecte os valores morais desse grupo-alvo, é preciso que previamente se tenha um conhecimento destas comunidades, se colham os seus pensamentos sobre a iniciativa, suas percepções culturais, religiosas e/ou políticas, e depois lhes sensibilize, familiarize sobre o estudo e suas actividades. Isto só é possível através da implementação de estudos socio-comportamentais feitos pelas equipas de ciências sociais”, conclui a pesquisadora.

Felisbela Materrula, é natural de Maputo, e tem o seu mestrado em sociologia urbana pela Universidade de Brasilia (UnB), no Brasil, lidera no âmbito do projecto BOHEMIA uma equipa composta por 5 assistentes de pesquisa social, no Distrito de Mopeia.