Tem início o trabalho de campo no condado de Kwale, no Quénia, para a implementação de um grande ensaio sobre a malária, que consiste em administrar ivermectina a humanos e gado
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Na sequência do ensaio de administração massiva (MDA) de ivermectina no distrito de Mopeia, em Moçambique, o projeto BOHEMIA prevê agora implementar o ensaio sobre a malária na sua segunda localização, o condado de Kwale, no Quénia. O consórcio liderado pela ISGlobal, que conta com o financiamento da Unitaid, explora a utilização da ivermectina como ferramenta de controlo de vetores da malária. O ensaio no Quénia irá ser levado a cabo em estreita colaboração com o Kenya Medical Research Institute e o programa de investigação KEMRI | Wellcome Trust.
«É um ensaio de grandes dimensões, pelo que esperamos obter respostas a várias questões em paralelo. Longe estão os dias das investigações em saúde isoladas. Hoje em dia, temos cientistas, entomólogos, antropólogos, e profissionais de saúde comunitária, todos eles sentados à mesma mesa», conta Marta Maia, investigadora coprincipal do ensaio no Quénia.
Condado de Kwale: clima, demografia e prevalência de malária
O condado de Kwale tem uma extensão de 3200 quilómetros quadrados, e é conhecido pelo seu clima quente e húmido, com duas estações de chuvas, na primavera e no outono, ideal para a proliferação das populações de mosquitos. Com uma taxa de 20-30%, é a região costeira do Quénia com a prevalência de malária mais elevada.
Msambweni e Lungalunga, subcondados de Kwale, foram as regiões escolhidas para o MDA, já que a sua população rural homogénea, de mais de 375 mil habitantes, pode albergar de forma autónoma a totalidade do estudo. Ao contrário do distrito de Mopeia, onde se levou a cabo um censo integral no âmbito do MDA, em Kwale, o projeto só irá realizar um inquérito demográfico, uma vez que se conta com dados pré-existentes do censo nacional do Quénia.
Além dos méritos epidemiológicos que fundamentaram a escolha de Kwale, o lugar é também uma das áreas com a maior densidade de gado da África Oriental. Isto será altamente benéfico para um projeto como BOHEMIA, que assenta na abordagem One Health, avaliando simultaneamente o papel dos animais na transmissão da malária, juntamente com o dos humanos. O mapeamento revelou uma sobreposição significativa entre a posse de gado e as populações afetadas pela malária.
Joseph Mwangangi, investigador coprincipal do ensaio do Quénia explica em que medida o futuro ensaio em Kwale servirá para reforçar os dados gerados. «A única coisa que Moçambique e o Quénia têm é comum é provavelmente a malária. São dois países com uma epidemiologia muito diferente, com estruturas sociais e condições climáticas muito díspares, e essa diversidade de dados tem um papel crucial na fundamentação de futuras políticas.»
Próximos passos para o ensaio em Kwale
A conceção do ensaio BOHEMIA inclui o protocolo principal de avaliar a segurança e a eficácia da ivermectina para quebrar a transmissão da malária a nível comunitário. Também inclui cinco subestudos sobre “demografia”, “economia da saúde e saúde animal”, “entomologia”, “impacto ambiental” e “ciências sociais”. Após o primeiro passo de selecionar a comunidade-alvo para o MDA, a equipa irá dar início às atividades de envolvimento da comunidade, com o fim de facilitar a realização do inquérito demográfico. O MDA, que é a espinha dorsal deste projeto, está previsto para maio de 2023.
O subestudo sobre “impacto ambiental” é específico do ensaio no Quénia, e será liderado pela Virginia Tech. Este subestudo irá avaliar se a administração massiva de ivermectina em humanos e no gado poderá ter efeitos adversos no ambiente. Entretanto, a equipa de entomologia no Quénia irá seguir os passos do trabalho efetuado em Mopeia, onde se implantaram um insectário e um laboratório, projetados a nível local, destinados a estudarem as populações locais de mosquitos.
Em contraste com Mopeia, onde o trabalho é realizado por um grande número de trabalhadores de campo, que tiveram de ser formados especificamente para o projeto, Kwale já conta com 670 profissionais de saúde comunitária voluntários devidamente formados, que irão assistir a equipa de BOHEMIA em determinados aspetos do trabalho de campo do projeto.
«Ter de ultrapassar obstáculos como as interrupções causadas pelas primeiras vagas da pandemia de covid-19 ou pelos vários ciclones devastadores em Moçambique tornou a equipa mais forte. Estamos motivados e entusiasmados com esta nova fase do projeto, prontos para enfrentarmos quaisquer vicissitudes. Felizmente, todo o trabalho árduo terá valido a pena quando contarmos com mais uma ferramenta para o controlo da malária», comenta Mary Mael, diretora do projeto.