Em 1868, um tecelão asturiano chamado Modesto Cubillas andava a caçar nos campos de Altamira, nas proximidades de Santillana del Mar, na Cantábria. Enquanto estava a perseguir uma presa, o seu cão ficou entalado numas rochas.

Quando Cubillas foi soltar o cão, viu que a fenda onde o animal tinha ficado preso era na verdade a entrada de uma gruta. Uma descoberta assim não era nada invulgar, no entanto, Cubillas informou o proprietário das terras, Marcelino Sanz de Sautuola, do que tinha encontrado.

Passaram dez anos. Certo dia, Sanz de Sautuola, proveniente de uma família abastada e que tinha um enorme interesse na paleontologia, decidiu procurar fósseis na propriedade de Altamira. Ia acompanhado da sua filha de oito anos, Maria. Enquanto estavam a espreitar a gruta, a criança olhou para o teto e descobriu as pinturas de Altamira. “Papá, olha! Bois!” Sanz de Sautuola tinha estado recentemente na Exposição Internacional de Paris de 1878, onde tinha ficado enormemente fascinado com a coleção de objetos pré-históricos. Ali, naquela gruta, ele estabeleceu imediatamente uma ligação entre a arte rupestre exibida em França e as imagens que tinha diante dos seus olhos.

“Papá, olha! Bois!” Enquanto estavam a espreitar a gruta, a criança olhou para o teto e descobriu as pinturas de Altamira.

Convencido do valor da sua descoberta, Sanz de Sautuola contactou com um grupo de investigadores de Madrid e encontrou um artista que fizesse uma cópia dos desenhos. Os cientistas começaram a estudar a gruta e apresentaram as suas conclusões numa conferência internacional em Lisboa, em 1880. Infelizmente, a apresentação foi um verdadeiro desastre. A comunidade científica ridicularizou os achados, chegando inclusive a acusar Sanz de Sautuola de fraude.

A descoberta das pinturas rupestres nas grutas de Altamira representou uma viragem na nossa compreensão de um dos períodos mais importantes da arte pré histórica. Lamentavelmente, Sanz de Sautuola não viveu para assistir à consagração da sua descoberta. Foi já no século XX, quando se encontraram pinturas semelhantes em França, que a comunidade científica alterou a sua posição. Finalmente, os desenhos de Altamira eram reconhecidos internacionalmente como autênticos e datados do Paleolítico superior.

Em suma, Sanz de Sautuola e os seus apoiantes defenderam uma ideia visionária que contradizia as opiniões dos especialistas e que se revelou ser certa: os humanos primitivos percecionavam a estética e eram capazes de criar arte.

A comunidade científica ridicularizou os achados, chegando inclusive a acusar Sanz de Sautuola de fraude.

Avancemos agora até 1985. Com o fim de testar o potencial da ivermectina, um fármaco utilizado no tratamento de lombrigas e contra mosquitos, uma equipa liderada por Pampiglione decidiu misturá-la com sangue antes de a dar como alimento aos insetos. Efetivamente, os mosquitos morreram depois de consumirem sangue com ivermectina.

Mais de uma década depois, em 1999, Bockarie e a sua equipa distribuíram ivermectina a uma população da Papua Nova Guiné para tratarem a filaríase linfática. A missão concedeu-lhes a oportunidade de estudarem, como já o tinha feito Pampiglione, a relação entre a ivermectina e os mosquitos. Os investigadores decidiram capturar dípteros que repousavam nas paredes das casas antes e depois da administração de ivermectina. Observaram um resultado fascinante: os mosquitos capturados antes da administração de ivermectina estavam vivos ao fim de nove dias, enquanto os que eram capturados depois – e, por conseguinte, os que se tinham alimentado com sangue de pessoas tratadas com ivermectina – morreram passados quatro dias.

Em 2010, os cientistas da ISGlobal trabalhavam arduamente para encontrarem um fármaco que combatesse o mosquito Anopheles, transmissor da malária. Tomando como referência os estudos acima mencionados, a equipa da ISGlobal concebeu uma ideia revolucionária com potencial para dar origem a uma nova abordagem contra a malária: E se as pessoas e os animais domésticos pudessem matar os mosquitos Anopheles com o seu próprio sangue? A hipótese consiste no seguinte: se utilizarmos a ivermectina para tratarmos pessoas e animais domésticos em zonas habitadas pelo Anopheles, os mosquitos vão absorver o fármaco do sangue das vítimas e morrer antes de poderem transmitir a infeção da malária a qualquer outra pessoa.

E se as pessoas e os animais domésticos pudessem matar os mosquitos Anopheles com o seu próprio sangue?

Tal como Sanz de Sautuola, a equipa da ISGlobal estava convencida de que a sua ideia era viável, e começou a contactar com os principais especialistas em malária. A equipa falou com investigadores internacionalmente reconhecidos, que também eram da opinião de que a ideia era boa, mas que ainda faltavam recursos para poderem desenvolvê-la. Inicialmente, as instituições financeiras mostraram pouco interesse na utilização da ivermectina para o controlo de vetores aplicado à malária, mas, eventualmente, a Unitaid – uma organização internacional que trabalha na erradicação da SIDA, tuberculose e malária – decidiu centrar os seus esforços neste fármaco como um método barato e eficaz contra a malária. Os investigadores da ISGlobal mantiveram-se firmes e continuaram a estabelecer vínculos com figuras importantes neste campo. Os seus esforços deram os seus frutos em 2019, quando a Unitaid concedeu uma bolsa de 25,3 milhões de dólares a um projeto chamado BOHEMIA (sigla em inglês de Broad One Health Endectocide-based Malaria Intervention in Africa, Intervenção de Abordagem Ampla de Saúde Única baseada na Endectocida contra a Malária em África).

Tal como aconteceu com as pinturas rupestres da gruta de Altamira, uma ideia arrojada mas controversa teve de enfrentar uma longa e atribulada viagem até eventualmente ser posta em prática. Mas a perseverança compensa. Vimos os bois. E agora temos de averiguar se estamos efetivamente perante arte pré-histórica ou não.

Nota: as opiniões expressas neste blogue são pessoais e podem não refletir necessariamente o ponto de vista da instituição.

Altamira

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