Aida Xerinda, a Oficial de Ligação Comunitária da BOHEMIA em Mopeia, partilha a sua experiência de trabalho com a comunidade como parte do ensaio clínico.

Quando era criança, sabia o que queria ser quando fosse grande? Já se sentia atraída pela área da saúde?

Quando era criança, sonhava com ser médica. Essa paixão por salvar vidas manifestava-se em pequenas coisas, como tratar de passarinhos feridos que caíam das árvores, alimentá-los com água e arroz e ajudá-los a recuperar. Ao longo dos anos, à medida que fui crescendo, os meus sonhos foram mudando. Acabei por me formar em Relações Internacionais e Diplomacia, mas o meu objetivo manteve-se inalterado – tonar acessível a todos uma boa saúde.

Tive a sorte de encontrar uma oportunidade de trabalhar na área de envolvimento comunitário através do projeto BOHEMIA. Isso permitiu-me desempenhar o meu papel na luta contra a malária, trabalhando com comunidades em regiões endémicas com o fim de gerar evidências sobre novas ferramentas que possam ajudar a prevenir a malária.

Quando ouviu falar do projeto BOHEMIA, qual foi a primeira coisa que pensou acerca da utilização da ivermectina para o controlo da malária?

A malária é um dos maiores desafios de saúde pública no contexto africano, especialmente num país como Moçambique. A maioria das pessoas é consciente das diversas ferramentas de prevenção da malária, tais como a utilização de mosquiteiros, a pulverização dos interiores com inseticidas e a higienização do meio circundante. Mas o rápido crescimento da resistência aos inseticidas na região implica que temos de encontrar urgentemente novas ferramentas.

A ivermectina é um fármaco conhecido pela nossa comunidade, uma vez que já se utiliza em campanhas para tratar a filaríase linfática e os piolhos. Se formos capazes de gerar evidências de que a ivermectina pode ser utilizada para o controlo de vetores da malária, será uma ferramenta adicional para a comunidade da malária. Dado que a evolução da luta contra a malária estagnou nos últimos anos, precisamos de explorar todas as vias científicas para não haver um retrocesso em todos os avanços conseguidos.

Dado que a evolução da luta contra a malária estagnou nos últimos anos, precisamos de explorar todas as vias científicas para não haver um retrocesso em todos os avanços conseguidos.

O que é que falta nos atuais esforços para combater a malária, e como é que poderemos colmatar essas lacunas?

Pela minha experiência a trabalhar com as comunidades a nível de base, os dois principais obstáculos à prevenção da transmissão da malária são: i) a utilização incorreta dos mosquiteiros e, ii) a resistência generalizada dos mosquitos aos inseticidas. Não basta continuarmos a confiar nas antigas ferramentas, precisamos de reforços no nosso arsenal contra a malária. E isto só se consegue através da inovação.

A abordagem de BOHEMIA para reduzir a transmissão da malária através duma campanha de administração massiva de medicamentos é inovadora porque readapta a utilização de um fármaco antigo e apela a uma visão coletiva do controlo de vetores da malária. O sucesso da intervenção assenta em grande medida na participação da comunidade.

Qual é o seu papel no ensaio BOHEMIA e quais são as suas tarefas diárias?

Sou a responsável de mediação com a comunidade do projeto BOHEMIA em Mopeia. É uma função importante num ensaio de administração massiva de medicamentos (MDA), porque temos de assegurar que se estabelece uma comunicação clara e regular com a comunidade envolvida. Antes de darmos início à MDA, passámos vários meses a conhecer a comunidade em Mopeia, consciencializando-a para a investigação sobre a malária, indo porta a porta para assegurarmos a adesão dos agregados familiares e, consequentemente, uma maior abrangência do ensaio.

Temos de assegurar que se estabelece uma comunicação clara e regular com a comunidade envolvida.

As minhas tarefas diárias incluem uma equipa de 13 membros dedicada a atividades de mobilização da comunidade, tais como visitas aos agregados familiares, reuniões com os chefes das aldeias e organização de atividades sociais. Faço também a ponte entre os investigadores científicos do projeto e os trabalhadores no terreno, garantindo que as atividades no terreno contribuem para os objetivos científicos do projeto.

Conte-nos uma tática de envolvimento comunitário bem-sucedida que a sua equipa tenha usado para mobilizar participantes para o ensaio.

Durante a fase inicial das atividades de envolvimento comunitário, observámos que as reuniões comunitárias que organizávamos tinham uma baixa afluência. Portanto, reunimo-nos com os cientistas sociais para explorarmos as melhores táticas para conseguirmos atrair pessoas. Ao fim de algumas semanas de observação participante, Bruno Caetano, da equipa de ciências sociais, teve a brilhante ideia de utilizar o desporto como forma de envolvimento comunitário. 


Foto: Murchana Roychoudhury / BOHEMIA

O futebol é uma das atividades sociais mais populares na aldeia. Por isso, decidimos criar a nossa própria equipa de futebol, composta por administradores, entomologistas e trabalhadores no terreno do projeto BOHEMIA, e começámos a organizar jogos de futebol do FC BOHEMIA contra o FC Mopeia. Esses jogos atraíram pessoas de todas as idades, sexos e contextos socioeconómicos na aldeia. E assim, fomos incluindo as nossas atividades de envolvimento comunitário nos intervalos dos jogos.

Quais são alguns dos desafios que teve de enfrentar no seu trabalho com a comunidade? E como é que os superou?

Um do maiores desafios que tivemos de enfrentar foram as cheias e os ciclones que atingiram o distrito de Mopeia no início de 2022. O acesso a povoações remotas tornou-se ainda mais difícil e, muitas vezes, as nossas equipas viram-se forçadas a atravessar rios e pântanos perigosos para poderem distribuir o fármaco atempadamente.

As nossas equipas viram-se forçadas a atravessar rios e pântanos perigosos para poderem distribuir o fármaco atempadamente.

No âmbito social, lidámos com diversos casos de desinformação, incluindo o rumor de que alguns trabalhadores no terreno de BOHEMIA eram vampiros, por trabalharem dentro de portas a horas estranhas a recolher mosquitos. Para fazermos frente a estas questões, tivemos de trabalhar com os líderes da comunidade para legitimarmos a nossa presença, já que esses líderes contam com a confiança da comunidade. 

As MDA em regiões remotas são um dos tipos de ensaio clínico mais exigentes. Mas com uma comunicação transparente e esforços a longo prazo com o fim de criar confiança e envolvimento, somos capazes de garantir uma participação elevada.