A ivermectina será distribuída a seres humanos e animais domésticos com vista a reduzir a transmissão da malária
BOHEMIA lança a sua primeira fase de administração massiva (MDA) de ivermectina no distrito de Mopeia, em Moçambique. O consórcio, liderado pela ISGlobal e financiado pela Unitaid, está a explorar o potencial da ivermectina para quebrar o ciclo da transmissão da malária através da administração massiva de fármacos em diferentes cenários ecológicos e epidemiológicos na África Oriental e Austral.
É preciso uma comunidade para quebrar a transmissão da malária
O lançamento do ensaio assinala uma fase essencial do projeto, que passa das suas atividades preparatórias à geração de evidências clínicas.
«Para podermos imaginar um Moçambique livre de malária durante a nossa vida precisamos urgentemente de ferramentas e abordagens inovadoras. Estamos imensamente gratos à comunidade de Mopeia e aos seus dirigentes pelo apoio e pela confiança que depositaram neste projeto», afirmou o Dr. Francisco Saúte do Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM), investigador principal do projeto BOHEMIA em Moçambique.
O censo realizado no distrito de Mopeia registou 26 134 agregados familiares com 32 300 adultos elegíveis que podiam participar nos ensaios. Embora a segurança do fármaco seja testada em adultos, a sua verdadeira eficácia será estudada em crianças menores de 5 anos (sem que lhes seja administrado o fármaco). De acordo com a investigadora principal de BOHEMIA, a Dra. Regina Rabinovich, «isto é importante, porque o Relatório Mundial sobre a Malária 2021 mostra que a malária afeta as crianças muito mais do que anteriormente se pensava. O ensaio BOHEMIA é único porque posiciona a ivermectina como um fármaco que pode beneficiar toda a comunidade, não apenas um indivíduo».
Os participantes vão receber três doses durante o pico da época da malária. O ensaio aleatorizado por conglomerados tem três braços: i) só os humanos recebem ivermectina; ii) os humanos e os animais domésticos recebem ivermectina; iii) só os humanos recebem albendazol (o braço de controlo).
Um fármaco antigo para uma nova finalidade
A ivermectina não é um novo fármaco para a comunidade da saúde global. Identificado pela primeira vez na década de 1970, este fármaco antiparasitário já foi distribuído a mais de 4 mil milhões de pessoas ao longo dos últimos 30 anos em campanhas de administração massiva para tratar doenças tropicais negligenciadas. Estudos recentes demonstram também que este fármaco pode aumentar a mortalidade dos mosquitos que se alimentam de humanos ou animais tratados durante um período que pode alcançar os 28 dias, consoante a dose. BOHEMIA parte desta evidência e recorre à ivermectina para combater a transmissão residual da malária.
«No contexto atual duma resistência aos inseticidas muito estendida, há uma necessidade urgente de encontrar novas ferramentas para as estratégias de controlo de vetores», afirmou o Dr. Carlos Chaccour, diretor da área científica de BOHEMIA e investigador da ISGlobal. «A ivermectina é uma medicação consolidada com um excelente perfil de segurança. Estamos imensamente gratos à Unitaid por apoiar esta investigação, que tem o potencial para se tornar uma estratégia complementar para reduzir a transmissão da malária.»
Por outro lado, o projeto BOHEMIA guia-se por uma abordagem One Health (Uma Só Saúde), que proporciona uma oportunidade de prevenir doenças tropicais negligenciadas em humanos, o que terá um impacto positivo nos agregados familiares. A administração em animais domésticos irá reduzir a predominância de helmintos e ectoparasitas no gado domesticado, aumentando, por conseguinte, as receitas e a segurança alimentar. O braço veterinário do ensaio irá investigar os potenciais benefícios acrescidos da administração de ivermectina em animais domésticos na região do estudo.
Sobre o consórcio BOHEMIA
BOHEMIA é um consórcio dirigido pela ISGlobal e apoiado pela Unitaid. Inclui três instituições africanas: o Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM), em Moçambique, o Kenya Medical Research Institute (KEMRI) e o Ifakara Health Institute (IHI), na Tanzânia; e três parceiros académicos: o Hospital Universitário de Berna, a Universidade de Oxford e a Virginia Tech.
Artur Muandula, Administrador do Distrito de Mopiea, toma a primeira dose para lançar o ensaio
Profissionais de saúde ajudando os membros da comunidade a participar do estudo
Fotos: Nércio Machele / CISM