Entrevistamos Mwaka Kakolwa, médico responsável pelos ensaios do BOHEMIA em Tanzânia, que nos deu a sua opinião sobre o projecto.
A carreira de Mwaka Kakolwa em pesquisa começou em 2010, quando ingressou no Instituto de Saúde Ifakara, parceiro do BOHEMIA, na Tanzânia, como coordenadora do estudo de um ensaio clínico de malária durante a gravidez. Em 2013, ingressou num segundo estudo que avaliou a segurança clínica da dihidroartemisinina-piperaquina na população em geral. Um ano depois, em 2014, esteve envolvida em estudos terapêuticos e de eficácia de antimaláricos como sub PI. Em 2016, Kakolwa ingressou no grupo de Triagem e Tratamento Focal (FSAT) (Entomologia) como supervisora da equipe clínica, um estudo que visava reduzir a transmissão da malária na região costeira da Tanzânia. O seu papel no projeto BOHEMIA é trabalhar como médico e epidemiologista sénior.
Quando era criança, o que é que queria ser quando fosse grande? Já queria ser cientista?
Quando era pequena, sonhava em tornar-me médico, e quando fui para a universidade de medicina, queria ser pediatra. Não planeei tornar-me cientista até me terem oferecido um emprego como médico de ensaios num projeto relacionado com a malária no Ifakara Health Institute (IHI). Eu pensava que aquilo ia ser um trabalho temporário e que ia voltar à prática clínica uma vez terminado o projeto. Apesar de eu ser consciente dos efeitos da malária em grupos vulneráveis como mulheres grávidas e crianças quando estava a estudar medicina, não tinha conhecimento da carga que isso representava nem da gravidade dos efeitos da malária na África Subsariana. Esse projeto fez-me perceber a magnitude deste problema, e isso alterou o meu plano de carreira. Depois daquele projeto, comecei pouco a pouco a participar e a envolver-me de forma ativa na carreira de investigador.
Que pessoa ou situação o inspirou para trabalhar na área da malária?
Fui inspirado pelo projeto MiPPAD – Malaria in Pregnancy Preventive with alternative Drug (malária na prevenção durante a gravidez com um fármaco alternativo), que pretendia avaliar a eficácia e a segurança da prevenção da malária através da utilização de mefloquina, como fármaco alternativo à sulfadoxina-pirimetamina (SP) para tratamentos intermitentes preventivos da malária em mulheres grávidas. O projeto fez-me ser consciente de que maneira a malária pode ser fatal nos recém-nascidos e nos bebés. Ampliou os meus conhecimentos acerca de epidemiologia e a compreensão da própria doença, inclusive em mulheres grávidas e noutros grupos vulneráveis. Esse projeto também me inspirou para publicar, e fez com que estabelecesse vínculos com outros intervenientes e colegas que trabalham na área da malária.
Qual foi a sua primeira opinião acerca da utilização da ivermectina no controlo da malária?
Inicialmente, surpreendeu-me, mas após ter lido uma série de artigos sobre ensaios com ivermectina, percebi que é um facto, e que temos de realizar mais estudos que apoiem a base de evidência para os resultados na saúde.
Mudou de opinião? O que é que o encorajou a unir-se a este projeto?
De maneira nenhuma, eu sabia que o sonho que tinha de contribuir para o controlo e erradicação da malária se ia tornando realidade, porque me tinha candidatado previamente, sem sucesso, a diversas bolsas relacionadas com o controlo da malária. Pela minha parte, a oportunidade de trabalhar com BOHEMIA foi o início de uma viagem há muito esperada para participar em projetos que têm impacto ou aceleram o combate contra a malária e a sua eventual erradicação.
Na sua opinião, o que é que falta para avançar no combate à malária, e qual acha que pode ser o papel de BOHEMIA?
As medidas de controlo de ventores mostraram um impacto importante no controlo da malária ao longo da história da doença. Contudo, com o desenvolvimento da resistência aos antimaláricos e aos inseticidas, são necessários métodos de controlo de vetores originais e inovadores. O ideal seria que as ferramentas visassem também um conjunto alargado da população, com o fim de interromper a transmissão da malária e acelerar a sua erradicação. BOHEMIA encaixa neste contexto através da ivermectina. Este “fármaco milagroso” tem demonstrado o seu potencial para suplementar o efeito de outras medidas de controlo de vetores e, eventualmente, reduzir a transmissão. Além disso, este fármaco pode vencer os atuais desafios relacionados com a resistência aos inseticidas, ao se considerar que a possibilidade de que no futuro se desenvolva uma resistência é mínima.
Que lições aprendeu de outros projetos em que trabalhou e que podem beneficiar BOHEMIA?
O trabalho de equipa e a dedicação são as ferramentas fundamentais de um projeto. Uma boa equipa precisa de se comunicar bem e de se ouvir entre si, centrar-se nos objetivos do projeto, e apoiar-se mutuamente. O ambiente de dedicação surge quando os membros da equipa estão motivados e são respeitados. Para isso são necessárias uma boa liderança e uma boa coordenação.
O projeto BOHEMIA vai contar com uma grande equipa clínica. A coordenação pode revelar-se problemática se as capacidades de liderança e gestão não forem cuidadosamente aplicadas. A prática como líder em projetos anteriores deu-me a experiência, e uma série de lições, em liderança e coordenação. Com o apoio adequado do resto dos membros de BOHEMIA, julgo que vou estar na posição ideal para partilhar e dar provas dessa experiência às equipas clínicas e no terreno.
Acha que enquanto for vivo o seu país vai assistir à erradicação da malária?
Acho que isso só será possível se prosseguirmos com a atual agenda global. A nível nacional, precisamos de trabalho de equipa e de vontade política como base de apoio, mas isso por si só não é suficiente, precisamos de apoio externo. Tudo isso irá ajudar a acelerar o impacto das intervenções destinadas à erradicação, aliadas a ferramentas e fármacos inovadores que impedem a transmissão e aceleram a erradicação da malária.