Entrevistamos Francisco Saúte, investigador principal do BOHEMIA em Moçambique, que nos deu a sua opinião sobre o projecto.
Francisco Saúte é diretor científico e diretor de programa da Iniciativa de Eliminação da Malária no Centro de Pesquisa em Saúde Manhiça (CISM), parceiro da BOHEMIA. Antes de ingressar no CISM, ele trabalhou como consultor residente da Iniciativa do Presidente dos EUA em Malária em Angola e Ruanda. Anteriormente, Saúte atuou como diretor do Programa Nacional de Controle da Malária de Moçambique e como chefe da Divisão de Doenças Transmissíveis, e ajudou a coordenar o Sistema Nacional de Vigilância de HIV / AIDS no Ministério da Saúde em Moçambique.
Quando era criança, o que é que queria ser quando fosse grande? Já queria ser cientista?
Na verdade, eu queria ser praticamente tudo! Desde engenheiro ou advogado a médico…
Que pessoa ou situação o inspirou para trabalhar na área da malária?
Surgiu naturalmente quando estava no quarto ano da minha formação em epidemiologia, no Centro de Investigação em Saúde de Manhiça, quando comecei a trabalhar no meu doutoramento. Na altura, comecei a ler imensos artigos científicos e conheci e relacionei-me com alguns dos mais reconhecidos malariologistas do mundo, sendo que a maioria deles me foi apresentada pelo meu supervisor de doutoramento, o Professor Pedro Alonso. Por isso, é justo afirmar que o Professor Pedro Alonso não só me introduziu no mundo da investigação sobre a malária, como também me inspirou para prosseguir e ampliar os meus horizontes nesse campo.
Na sua opinião, o que é que falta para avançar no combate à malária, e qual acha que pode ser o papel de BOHEMIA?
Precisamos de ferramentas novas e revolucionárias tanto contra o vetor como contra o parasita. Portanto, se BOHEMIA for bem-sucedido, irá lidar parcialmente com o vetor da equação e, muito provavelmente, contribuir para uma maior eficácia de outras intervenções combinadas de controlo de vetores. Nomeadamente, poderá ajudar a lidar com aqueles vetores que gostam de picar/permanecer no exterior.
Que lições aprendeu de outros projetos em que trabalhou e que podem beneficiar BOHEMIA?
As lições aprendidas com MALTEM, um projeto de 20 milhões de dólares cofinanciado pelo BMGF e pelo LCF, cujo objetivo era avaliar a viabilidade da eliminação da malária numa comunidade rural com uma transmissão da malária baixa ou moderada, através da aplicação de um conjunto de intervenções. Entre elas incluíram-se o controlo de vetores a nível distrital, mediante IRS y LLIN, e quatro campanhas consecutivas de administração massiva de fármacos contra a malária. Os desafios que tivemos de enfrentar para implementar um projeto daquela envergadura têm muitos paralelismos com BOHEMIA. Aliás, MALTEM exigiu começar um novo projeto do zero. E isso significou montar um escritório, constituir uma equipa, reunir informação de base (demográfica, epidemiológica, socioantropológica, etc.), realizar um intenso trabalho de promoção a nível central, provincial, distrital e comunitário; gerir as expectativas de todas as partes envolvidas; já para não falar da própria realização e avaliação das intervenções.
Quando pensa em BOHEMIA, quais são as três palavras que lhe vêm à mente?
Em que sentido? Refere-se a BOHEMIA como palavra, com o seu significado vernáculo, ou está a referir-se a este projeto em concreto? No caso do primeiro, eu diria audácia, loucura e aventura. No caso do segundo, pensaria em determinação, perseverança e inovação.
Acha que enquanto for vivo o seu país vai assistir à erradicação da malária?
Não me parece; a não ser que aconteça algo realmente revolucionário no âmbito do controlo da malária. Por exemplo, se o conceito SERCaP se materializar, em combinação com uma tecnologia genética factível e eficaz e uma vacina eficaz. Caso contrário, vamos continuar a remediar a situação, até ao dia em que as disparidades socioeconómicas comecem a ser menores e se possa lidar com a maioria das doenças relacionadas com a pobreza.