Entrevista com Truphena Nafula, investigadora, BOHEMIA
Quando era criança, sabia o que queria ser quando fosse grande? Já queria ser cientista social?
Sempre quis ser médica e, ao longo da minha educação básica, centrei-me sempre em matérias orientadas para uma carreira em ciências. No entanto, a vida tinha outros planos para mim. Não consegui obter uma bolsa de estudo estatal para cursar ciências na universidade. Como os meus pais não tinham a possibilidade de me pagar os estudos, acabei por fazer uma licenciatura em gestão. Nunca me senti realizada naquela altura, portanto, quando vi o anúncio de um emprego para trabalhadores de campo para recolher dados para um projeto relacionado com a malária, apresentei-me imediatamente, e assim começou a minha viagem na investigação em saúde global.
Naquela época, eu não sabia que se podia construir uma carreira neste campo como cientista social. Mas hoje posso dizer com convicção que encontrei a minha vocação. O meu trabalho centra-se essencialmente em estudos qualitativos de sistemas de saúde, ética e políticas.
Já alguma vez sofreu de malária? Como foi a experiência?
Nasci e fui criada na região da bacia hidrográfica do Quénia, onde a malária é endémica. Quando crescia, tive malária inúmeras vezes. Lembro-me daquela vez em que não havia mosquiteiros e passámos a noite a servir de banquete para os mosquitos. Como resultado, apanhava malária, pelo menos, uma vez a cada dois meses. A situação piorava com o facto de as pessoas não saberem como manter os mosquitos longe. A maior parte das casas tinha água estagnada, o que, vim a saber mais tarde, era um autêntico viveiro para os mosquitos.
Lembro-me daquela vez em que não havia mosquiteiros e passámos a noite a servir de banquete para os mosquitos.
Ter malária foi uma experiência devastadora. Os sintomas, como o cansaço, as náuseas, os calafrios, as dores de articulações, as dores de cabeça e a perda de apetite eram absolutamente insuportáveis. Apesar de contrair a mesma doença reiteradamente, os sintomas variavam, mas os mais comuns eram as febres altas e os calafrios. Não ia à escola durante vários dias por não ter forças, e o tratamento demorava uns dois ou três dias até me passarem os sintomas.
Como é que soube do projeto BOHEMIA? O que é que a atraiu para este posto de “Investigador”?
Descobri o projeto BOHEMIA no portal do KEMRI-Wellcome Trust, quando vi que procuravam um investigador. Segundo a descrição do emprego, eu tinha as aptidões e a experiência e, por isso, apresentei-me.
Entusiasma-me fazer parte de um projeto relacionado com a malária que põe à prova novas intervenções no Quénia. Antes disso, tinha também feito parte de um estudo que avaliava uma nova vacina contra a malária, que tinha sido introduzida em três países africanos.
Habitualmente, como é que é o seu dia de trabalho?
Como integrante de um projeto multidisciplinar com membros de equipa em diversas localizações, o meu dia de trabalho começa habitualmente com ver a caixa do correio. Quando estou no escritório, debruço-me principalmente em tarefas como desenvolver planos de implementação da investigação para o meu pacote de trabalho com o responsável de ciências sociais para refinar as ferramentas de recolha de dados, e elaborar relatórios sobre as atividades no terreno. Quando estou no campo, dou apoio à coordenação das atividades de investigação e recolha de dados, o que inclui ajudar os investigadores assistentes na recolha de dados e na interação com a comunidade. Estabeleço igualmente vínculos com os principais intervenientes da comunidade, a nível do condado e do subcondado, e participo em inúmeras reuniões com as partes interessadas e outros membros da equipa do projeto BOHEMIA.
Como é que a sua equipa conseguiu gerar confiança com a comunidade para este projeto focado na malária?
O pacote de trabalho de ciências sociais recolhe dados através de etnografia rápida, e implica viver nas aldeias com os membros da comunidade. Estamos a desenvolver a confiança com a comunidade envolvendo e interagindo com membros da comunidade a todos os níveis. Isso envolve promotores de saúde, administradores, líderes religiosos, grupos de mulheres e grupos de jovens, entre outros. Convidamo-los para reuniões e explicamos-lhe em que consiste o projeto e damos-lhes espaço para fazerem perguntas e esclarecerem dúvidas. Essas reuniões dão-nos a oportunidade de abordarmos alguns dos equívocos que as pessoas têm acerca da malária, do fármaco usado ou do projeto. Ter a equipa de ciências sociais a viver nas aldeias do estudo com a própria comunidade ajudou-nos a gerar confiança.
O que é que falta para avançar no combate à malária, e que pode ser o papel de BOHEMIA?
O conhecimento, a compreensão e o envolvimento dos membros da comunidade são elementos-chave para vencer a malária. As pessoas precisam de saber e compreender como é que se transmite a malária, como a podemos prevenir e como lidar com ela em caso de infeção. Tem de haver uma campanha de sensibilização contínua que reforce as mensagens e encoraje os membros da comunidade a porem ativamente termo à sua propagação.
Há gestos simples, como evitar águas estagnadas, cobrir poços e reduzir os arbustos nas proximidades das casas das pessoas, que podem impedir que os mosquitos procriem.
BOHEMIA permite à comunidade participar ativamente no controlo da malária através da administração de ivermectina, um fármaco que se sabe ser letal para os mosquitos. A equipa de ciências sociais tem o fim de entender as experiências, perceções e opiniões dos membros da comunidade nesta nova estratégia. Isto irá ajudar o projeto a desenvolver uma MDA com base na comunidade e uma estratégia de interação aceite pelos membros da comunidade.