Entrevista com Lydia Kasiwa, responsável de mediação com a comunidade, Kenya
Quando era criança, sabia o que queria ser quando fosse grande? Já se sentia atraída pela área da saúde?
Desde que me lembro, sempre fui uma apaixonada da saúde pública. Em 2005, após ter terminado a educação secundária, envolvi-me no projeto “Moving The Goalposts”, como educadora de pares voluntária. Visitava escolas e centros comunitários para promover a consciencialização para os direitos da saúde sexual e reprodutora entre pais e professores. Essa experiência conduziu-me eventualmente a unir-se a tempo completo à organização, onde trabalhei durante quinze anos, antes de me juntar ao projeto BOHEMIA.
O meu trabalho em BOHEMIA como responsável da mediação com a comunidade permite-me aprofundar o meu interesse e a minha paixão por melhorar a saúde das pessoas. Estou a adorar trabalhar neste projeto interdisciplinar com uma equipa de grandes dimensões, e estou determinada em, posteriormente, fazer o meu mestrado em Saúde Global.
Quais são as memórias mais antigas que tem da malária? Quando é que tomou contacto pela primeira vez com esta doença?
As minhas primeiras memórias da malária remontam aos meus dias na escola primária, em que eu e as minhas irmãs costumávamos padecer frequentemente da doença. Foi uma experiência horrível, e ainda me lembro daqueles dias com vómitos, perda de paladar, tremores de frio, e de não ir à escola durante vários dias ou semanas. Além disso, sempre que tinha malária, davam-me comprimidos ou injeções de quinina, que normalmente tem efeitos secundários como o prurido, quando tomada juntamente com outros medicamentos.
Quando ouviu falar do projeto BOHEMIA, qual foi a primeira coisa que pensou acerca da utilização da ivermectina para o controlo da malária?
Ao princípio, estava intrigada porque, apesar de ter ouvido falar na ivermectina, não tinha conhecimento da sua utilização em humanos. Mas depois de ter lido acerca do projeto e do fármaco, fiquei entusiasmada ao descobrir a capacidade da ivermectina para eliminar os mosquitos, ou seja, para contribuir para o controlo de vetores da malária.
A malária é um problema significativo para as pessoas no Quénia. Estamos sempre à procura de novas estratégias que nos possam ajudar a eliminar a malária o mais depressa possível.
Qual é o seu papel no ensaio BOHEMIA e quais são as suas tarefas diárias?
Sou a responsável de mediação com a comunidade do projeto BOHEMIA, giro as atividades de envolvimento comunitário para o estudo, com o fim de aumentar a compreensão e o conhecimento das partes interessadas e dos membros da comunidade relativamente ao estudo, para contar com o apoio e a aceitação totais destes, assim como com a sua participação. Também dirijo atividades que visam obter aprovações municipais para os vários pacotes de trabalho que compõem o projeto.
Nos últimos meses, concebi uma estratégia de envolvimento da comunidade, criei comités para elaborar os protocolos do estudo, planeei atividades de envolvimento para cada subestudo, e organizei reuniões com os parceiros.
O melhor deste trabalho é poder participar em programas de rádio, difundir informação sobre o próximo ensaio.
Quais são alguns dos desafios que tem de enfrentar atualmente, e como é que pensa superá-los?
Ainda estamos nas fases iniciais da implementação, portanto, os grandes desafios estão por chegar. No entanto, após dar início às atividades de envolvimento da comunidade, já podemos observar que a desinformação vai ser um problema importante, e temos de estar preparados para o abordar. Há rumores que dizem que a medicação utilizada no ensaio tem a finalidade de tornar as pessoas inférteis. Por isso, estamos a trabalhar com os membros da comunidade para lidarmos com estas preocupações, e construirmos assim uma relação de confiança entre os participantes e os responsáveis pela implementação.
“Já podemos observar que a desinformação vai ser um problema importante, e temos de estar preparados para o abordar.”
Os nossos colegas em Moçambique também enfrentaram desafios semelhantes derivados da desinformação durante o ensaio de administração massiva de fármacos. Descobriram que unir esforços com os líderes da comunidade para dispersarem esses rumores era uma das maneiras mais eficientes para resolver o problema. Portanto, incorporamos essas lições aprendidas do ensaio anterior.
Na sua opinião, o que é que falta para avançar no combate à malária no Quénia, e qual acha que pode ser o papel de BOHEMIA?
No Quénia rural, nem sempre é fácil aceder às instalações médicas. Julgo que é importante que os testes de deteção rápida estejam disponíveis para os membros da comunidade devidamente formados, para que possam diagnosticar atempadamente quaisquer possíveis casos de malária. Além do mais, os municípios quenianos como Kwale têm taxas de transmissão de malária muito altas, pelo que necessitamos de ferramentas complementares para lutarmos contra a malária nessas regiões.
Esta estratégia para matar mosquitos com ivermectina irá ajudar a prevenir novos casos de malária e quebrar o ciclo de transmissão. Se formos capazes de acumular as provas necessárias para podermos incluir esta estratégia no conjunto de recursos usados no controlo da malária, vamos contar com mais uma ferramenta para combatermos a malária no Quénia e noutros lugares. BOHEMIA é um projeto único devido, também, à sua grande envergadura. No fim do projeto, muitos membros jovens da comunidade terão adquirido aptidões úteis importantes, como a recolha de dados e o envolvimento com a comunidade.