Entrevista com Miguel Gerson, entomólogo no projeto BOHEMIA
Pode falar-nos da sua formação e de como se interessou pela entomologia?
Fiquei apaixonado pela entomologia quando interagi pela primeira vez com a mosca tsé-tsé e os tripanossomas no condado de Busia. A ideia de ecologia de parasitas e vectores fascinou-me e a captura de moscas tsé-tsé com armadilhas, a extração do parasita tripanossoma mortal e a sua observação ao microscópio alimentaram o meu interesse pela entomologia.
A ideia de ecologia de parasitas e vectores fascinou-me e a captura de moscas tsé-tsé com armadilhas, a extração do parasita tripanossoma mortal e a sua observação ao microscópio alimentaram o meu interesse pela entomologia.
Enquanto crescia no Quénia, costumava ver as notícias e observar o aumento dos casos de malária durante a estação das chuvas, especialmente no meu condado natal, perto da região dos lagos. Ver as pessoas a sofrer e os hospitais sobrecarregados às segundas-feiras com longas filas de mães e filhos a sofrer de malária intensificou ainda mais o meu interesse em compreender como insectos como os mosquitos Anopheles desempenham um papel crucial na transmissão da malária.
Qual é o papel de um entomólogo no ensaio BOHEMIA que testa a ivermectina como ferramenta de controlo de vectores?
No projeto BOHEMIA, coordeno as actividades de campo e asseguro que as actividades entomológicas de campo e de laboratório são realizadas de acordo com considerações éticas. As minhas responsabilidades incluem também a supervisão do processamento, armazenamento e envio de amostras de mosquitos, a realização de bioensaios de resistência a insecticidas e de ivermectina em populações de mosquitos e a participação em reuniões de informação sobre o projeto com as autoridades locais. Por último, o meu trabalho envolve também a contribuição para publicações científicas e a divulgação dos resultados em conferências.
Pode esclarecer-nos sobre as espécies de mosquitos e os seus comportamentos que são responsáveis pela transmissão da malária no Quénia?
No Quénia, a transmissão da malária é conduzida pelo complexo Anopheles gambiae e pelo complexo Anopheles funestus. Estas espécies são os principais vectores da doença. O Anopheles arabiensis é também um vetor da malária que se encontra no Quénia, sendo notável por se alimentar ao ar livre, o que torna menos eficazes as intervenções como a pulverização residual de interiores e os mosquiteiros tratados com inseticida. Isto realça a necessidade de estratégias integradas de controlo de vectores que visem os mosquitos tanto no interior como no exterior. Outras espécies de mosquitos, como as culicinas, estão presentes mas não desempenham um papel significativo na transmissão da malária.
O Anopheles arabiensis é também um vetor da malária que se encontra no Quénia, sendo notável por se alimentar ao ar livre, o que torna menos eficazes as intervenções como a pulverização residual de interiores e os mosquiteiros tratados com inseticida.
E quanto à resistência aos insecticidas?
Uma parte significativa do meu trabalho de investigação em Kwale centrou-se na avaliação do estado de resistência aos insecticidas dos principais vectores da malária. Realizámos testes fenotípicos para as quatro classes de insecticidas atualmente aprovadas pela Organização Mundial de Saúde para o controlo dos vectores: piretróides, organoclorados, organofosforados e carbamatos. Os nossos resultados revelaram a resistência dos insecticidas aos piretróides (permetrina e deltametrina). Ambos os insecticidas foram utilizados no tratamento de mosquiteiros que foram distribuídos no Quénia no passado. Esperamos que os resultados desta investigação forneçam provas para o programa nacional da malária para a tomada de decisões.
Como imagina o futuro da investigação entomológica no Quénia, particularmente em relação ao controlo de doenças?
A entomologia, enquanto campo, tem registado um crescimento significativo no Quénia, com vários institutos de investigação a colaborar com paraestatais e universidades públicas e privadas. Os cientistas seniores estão a orientar ativamente os investigadores em início de carreira na conceção de temas de investigação inovadores. Por exemplo, os microsporídios estão a ser utilizados como controlo biológico dos vectores da malária, enquanto as bactérias Wolbachia estão a ser utilizadas para combater os parasitas Plasmodium. Além disso, estão a ser exploradas aplicações de condução genética para controlar os vectores da malária. Estes são tempos excitantes para a investigação entomológica.
Que conselhos daria a jovens cientistas interessados em seguir uma carreira em entomologia?
A entomologia oferece vastas oportunidades de exploração nos domínios médico, agrícola e ecológico. Muitas ideias permanecem inexploradas nas áreas de investigação actuais, particularmente no domínio da resistência aos insecticidas. Por exemplo, a análise do fluxo genético pode prever padrões de resistência aos insecticidas em diferentes regiões, ajudando os decisores políticos a conceber estratégias adequadas de controlo dos vectores antes que estes e os parasitas desenvolvam resistência. Como jovens entomólogos, aproveitem ao máximo todas as oportunidades e pensem fora da caixa. Envolva-se com a comunidade, realize análises laboratoriais e participe em conferências para apresentar o seu trabalho e receber feedback.