Entrevista com Paulo Jorge, supervisor de trabalhadores no terreno em Mungane
Quando era mais novo, o que é que queria ser? Sempre quis trabalhar no setor da saúde pública?
Quando era pequeno queria ser veterinário. O meu pai era criador de animais, eu cresci na quinta dele, e ajudava-o a criar galinhas, patos, cabras e cães.
Eu tinha acabado de fazer um curso de ciências veterinárias quando vi na minha aldeia o anúncio de que o projeto BOHEMIA estava a contratar trabalhadores no terreno no seio da comunidade. Vendo uma oportunidade de trabalhar num projeto de “Uma Só Saúde”, candidatei-me, e em pouco tempo uni-me à equipa.
BOHEMIA permitiu-me desempenhar o meu papel para ajudar a minha comunidade a contra-atacar a malária, uma doença que já ceifou demasiadas vidas entre a nossa população.
BOHEMIA permitiu-me desempenhar o meu papel para ajudar a minha comunidade a contra-atacar a malária, uma doença que já ceifou demasiadas vidas entre a nossa população.
Qual é o seu papel em BOHEMIA? Descreva-nos o seu dia de trabalho.
Eu trabalho como supervisor de campo no projeto BOHEMIA. Inicialmente, entrei na equipa como trabalhador no terreno, mas fui promovido a supervisor após alguns meses de formação.
Na minha função, trabalho com uma equipa de oito trabalhadores no terreno para assegurar a boa qualidade do trabalho. Também faço de ponte entre o trabalho de campo e a administração. Durante os primeiros dias do projeto, guiei a minha equipa na realização de inúmeras tarefas, tais como a recolha de dados, a comunicação, o processo de obtenção do consentimento dos participantes no ensaio, o envio de dados e a administração do fármaco.
Tendo em conta que BOHEMIA é um ensaio de grandes dimensões, que cobre uma enorme extensão de zonas remotas, despende-se muito tempo a resolver problemas logísticos como a disponibilidade dos materiais necessários para o ensaio, o transporte e as ferramentas de comunicação.
Quais foram algumas das principais dificuldades que enfrentou durante este projeto? E como é que as superou?
Um desafio que nunca irei esquecer foi quando o ciclone Gombe atingiu o distrito de Mopeia. Os rios em aldeias remotas como Postocampo e Mungane começaram a transbordar e inundaram vários povoados, provocando a deslocação da comunidade. Apesar das chuvas e das cheias, a conceção do ensaio de administração massiva de fármacos implicava termos de continuar a distribuir o medicamento a todos os participantes no tempo devido.
As estradas estavam tão alagadas que acabámos por abandonar os nossos veículos, sem mais remédio que caminharmos grandes distâncias ou deslocarmo-nos pela zona com barcos. Por vezes, remámos nos nossos barcos durante nove horas para garantirmos que o medicamento era entregue aos participantes do ensaio.
Por vezes, remámos nos nossos barcos durante nove horas para garantirmos que o medicamento era entregue aos participantes do ensaio.
Contudo, o maior desafio para implementar este ensaio sobre a malária foi a própria malária. Trabalhar muitas horas no terreno durante a estação das chuvas significava que os nossos trabalhadores no terreno estavam constantemente expostos aos mosquitos que transmitem a malária, pelo que adoeciam frequentemente.
Diga-nos qual foi o impacto da malária na sua aldeia, e quais são as esperanças que deposita num projeto como BOHEMIA.
Eu sou de Mungane, uma aldeia remota no distrito de Mopeia, em Moçambique, onde a malária é uma das principais causas de morte de crianças com menos de cinco anos. Um rio imenso, os pântanos extensos e os campos irrigados tornam-na numa zona muito hospitaleira para os mosquitos.
Tendo crescido com a ameaça constante da malária, sempre sonhei com um futuro livre de malária para as crianças da minha aldeia. Quando ouvi falar do projeto BOHEMIA, enchi-me de esperança. Tendo em conta a marca terrível que a malária deixa diariamente nas nossas vidas, a maior parte dos membros da minha comunidade não hesitou em apoiar o projeto das maneiras mais variadas: participando no ensaio, unindo-se à equipa do projeto ou, inclusive, partilhando uma refeição com os trabalhadores no terreno depois de um duro dia de trabalho.
Faz parte do FC BOHEMIA, a equipa de futebol do projeto. Em que medida é que estes jogos de futebol ajudaram a sua equipa a mobilizar as atividades relacionadas com o ensaio?
Os jogos de futebol organizados pela equipa de envolvimento comunitário assinalaram um antes e um depois. São de certa forma uma plataforma para podermos difundir informação sobre o projeto a todos os membros da comunidade de modo simultâneo.
Na minha aldeia, fizemos um enorme progresso na mobilização de pessoas para participarem no ensaio captando-as através dos jogos de futebol. Até mesmo os líderes locais adoram esta iniciativa e querem continuar a usar o futebol como o pilar das futuras atividades que envolvam a comunidade.
Como fervoroso jogador de futebol que sou, estes jogos de futebol também me aproximaram dos meus colegas da equipa BOHEMIA. No fundo, nenhum de nós podia imaginar que jogar futebol poderia tornar-se uma parte essencial do nosso trabalho num projeto relacionado com a malária!