Amélia Albino Honwana faz parte da equipa médica da BOHEMIA. Ela está actualmente baseada em Mopeia, apoiando actividades operacionais e também monitorizando e reportando sobre eventos adversos graves e dados de gravidez.
Quando era criança, sabia o que queria ser quando fosse grande? Já se sentia atraída pela área da saúde?
Quando era miúda, sempre quis ser médica. Ao ter crescido numa comunidade que se via constantemente afetada por doenças infeciosas, sempre quis encontrar soluções para os problemas de saúde. Por isso, decidi trabalhar arduamente para obter uma bolsa de estudo para cursar Medicina na Universidade Estatal de Medicina Voronezh, na Rússia.
Quando terminei os meus estudos, nunca imaginei que iria trabalhar como médica num ambiente de investigação, especialmente em Moçambique, onde as oportunidades de carreira na investigação médica são limitadas.
O meu trabalho em Moçambique ensinou-me que a medicina não se limita ao tratamento de pacientes, e que também pode contribuir para melhorar a saúde das pessoas através da investigação de soluções inovadoras para os desafios de saúde pública.
Quando ouviu falar do projeto BOHEMIA, qual foi a primeira coisa que pensou acerca da utilização da ivermectina para o controlo da malária?
“Na minha infância, todos os anos, sem exceção, apanhava malária. Agora, como médica, trato diariamente pacientes de malária em Mopeia.”
Apesar da disponibilidade de ferramentas inovadoras e acessíveis como os mosquiteiros tratados com inseticida e a pulverização residual dos ambientes interiores, a malária continua a afetar milhões de pessoas em muitas partes do mundo.
Quando ouvi falar da possibilidade de utilizar ivermectina como método de prevenção da malária, fiquei fascinada com a ideia. A ivermectina é um fármaco bem conhecido e bem tolerado usado no tratamento de outras doenças, mas é uma novidade utilizá-lo como ferramenta para combater a malária.
Além disso, sinto-me muito orgulhosa e grata por trabalhar lado a lado com uma equipa tão talentosa e diversa de defensores da saúde global. É uma alegria acordar todos os dias e saber que posso contribuir com a minha pouca experiência, com a minha paixão e compromisso para este projeto tão importante.
Qual é o seu papel no ensaio BOHEMIA e quais são as suas tarefas diárias?
Sou um dos médicos do estudo no ensaio BOHEMIA em Mopeia. Sou também o médico mais novo e a única mulher numa equipa de três. Isto dá-me a oportunidade de aprender, todos os dias no meu trabalho, com a experiência dos meus colegas.
No meu dia a dia, divido o meu tempo entre o escritório, o hospital local (Hospital Distrital de Mopeia) e o trabalho de campo.
No escritório, monitorizo e informo sobre eventos adversos graves e dados relacionados com a gravidez do ensaio BOHEMIA. Há dias em que também dou apoio à preparação das atividades operacionais do ensaio de administração massiva de fármacos (MDA). No hospital, assisto o pessoal do hospital local com trabalho clínico, por exemplo, ajudando no banco de urgências. Por último, no campo, supervisiono as atividades dos trabalhadores de campo da MDA de cinco conglomerados do estudo, supervisionando também o processo de recolha de dados de deteção de casos de malária passiva.
Algumas das principais responsabilidades que tive no ensaio BOHEMIA até agora: contribuir para a conceção e implementação da nossa estratégia de vigilância de segurança, preparar os procedimentos operacionais normalizados, formar trabalhadores de campo para realizarem visitas aos agregados familiares na preparação da MDA, assim como dar formação na área da recolha de dados relacionada com as doenças tropicais negligenciadas.
Fale-nos do seu trabalho com os dados sobre gravidez e que importância é que este tem para o projeto.
Um dos meus papéis como médico do estudo no ensaio BOHEMIA é informar de todas as gravidezes que surjam entre os participantes do estudo. Tendo em conta a falta de provas substanciais de se a ivermectina é ou não segura para as mulheres grávidas e para os fetos, excluímos sistematicamente as mulheres grávidas do ensaio. No entanto, em certas circunstâncias, uma participante pode dar positivo no teste de gravidez no decurso da MDA de três meses, e é aí que a equipa médica tem de atuar.
A nossa intenção é acompanharmos essas gravidezes até ao nascimento do bebé.
“A recolha de dados sobre gravidez num ensaio massivo como BOHEMIA é um desafio mas importante”
A monitorização desses dados pode ajudar não só BOHEMIA, mas também outros ensaios semelhantes envolvendo ivermectina.
Na sua opinião, o que é que falta para avançar no combate à malária, e qual acha que pode ser o papel de BOHEMIA?
Apesar de termos avançado imenso no controlo da malária ao longo das últimas duas décadas, num país como Moçambique, ainda há um longo caminho a percorrer. Moçambique é um dos seis países que contribuiu com 55% dos casos de malária a nível global em 2021. Uma maioria desses casos incluem crianças com menos de cinco anos e mulheres grávidas.
O objetivo ambicioso do ensaio BOHEMIA de incluir uma intervenção de prevenção adicional no conjunto de ferramentas contra a malária poderá revelar-se de um valor inestimável para combater a transmissão comunitária. Quando implementada, julgo que dentro de poucos anos, esta nova intervenção proposta irá reduzir de forma exponencial o número de mortes por malária, especialmente em países com rendimentos baixos. E aí poderei dizer que fiz parte de um projeto tão relevante.