Dia Mundial da Malária 2021 – Apesar de ainda não dispormos de dados concretos, sabemos que a pandemia não interrompeu os programas de prevenção contra a malária, e chegam-nos boas notícias da China e de El Salvador.
O anúncio feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no início de 2020 de que o surto de COVID-19 se tinha tornado uma pandemia trouxe uma sensação de medo a toda a comunidade dedicada à luta contra a malária. As projeções mais pessimistas estimavam que as mortes causadas pela malária poderiam duplicar devido ao facto de os sistemas de saúde se saturarem e já não poderem tratar pacientes de malária nem proporcionar medidas de prevenção. Transcorrido um ano, ainda não dispomos de dados do impacto real, mas sabemos que, pelo menos, na maioria dos países africanos, a pandemia não interrompeu a distribuição de mosquiteiros nem perturbou os canais de distribuição de diagnósticos e medicamentos. Além disso, 2021 trouxe-nos boas notícias, algo excecional nos tempos que correm: em fevereiro, El Savador – um dos países mais pequenos do mundo – recebeu a certificação da OMS como país livre de malária, e prevê-se que a China – um dos maiores países do mundo – receba este verão essa mesma certificação.
O anúncio feito pela OMS no início de 2020 de que o surto de COVID-19 se tinha tornado uma pandemia trouxe uma sensação de medo a toda a comunidade dedicada à luta contra a malária.
Em face dos problemas de saúde em que estamos imersos, e dado o foco de atenção incidir na COVID-19, estes avanços não são de forma alguma insignificantes. Mostram-nos que as mensagens reiteradas de que a malária pode ser prevenida, curada e inclusive erradicada não são palavras vãs: é uma realidade palpável. Em 2019, 24 países que notificavam menos de 10 casos por ano estavam a avançar progressivamente para a meta da eliminação da malária nos seus territórios, seguindo os passos de muitos outros países que atingiram esse objetivo no passado, incluindo a maioria dos países europeus.
Como é que se atingiu esse objetivo?
A malária é uma doença com uma gama variada de características epidemiológicas, que envolvem diversas espécies de mosquitos e parasitas da malária, assim como diferenças nos sistemas de saúde, no clima, no desenvolvimento económico e em muitos outros fatores. No entanto, uma análise histórica revela inúmeros elementos comuns partilhados pelos países que até à data alcançaram a eliminação. Entre estes incluem-se a aplicação de estratégias adaptadas a condições específicas da região, a presença de um sistema nacional de saúde robusto e gratuito, a coordenação entre todos os agentes relevantes, a capacidade de manter o compromisso, e um financiamento suficiente.
Devemos adicionar a esta enumeração a investigação científica, que tornou possível o progresso contra a malária, desde os finais do século XIX, quando os cientistas identificaram pela primeira vez o parasita que causa a doença e o papel dos mosquitos como vetor da mesma. Para se chegar até aqui, desenvolveram-se muitas ferramentas, e abandonaram-se muitas outras, como a cloroquina e o DDT, após o desenvolvimento de resistência.
A maioria das ferramentas e das intervenções utilizadas nos dias de hoje em lugares onde a doença é endémica foram desenvolvidas na década de 1990. Estas incluem a pulverização residual nos interiores para matar mosquitos, mosquiteiros tratados com inseticidas, a fim de proteger das picadas dos mosquitos, testagem de diagnóstico rápida, inclusive em povoações remotas, um leque considerável de fármacos, e tratamentos antimalária intermitentes destinados a prevenir a infeção entre as populações mais vulneráveis (bebés, crianças e mulheres grávidas).
Uma maior coordenação entre os diversos atores e o aumento dos fundos disponíveis, bem como os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, conduziram a avanços extraordinários nos primeiros 15 anos deste século. Mas esse progresso tem-se visto estagnado de há três anos a esta parte.
Após as terríveis pandemias das décadas de 1970 e 1980, uma maior coordenação entre os diversos agentes e o aumento dos fundos disponíveis, bem como os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, conduziram a avanços extraordinários nos primeiros 15 anos deste século. No entanto, a eficácia de todas as ferramentas atualmente disponíveis é apenas parcial, e em certos casos decrescente, devido à criação de resistência aos inseticidas, fármacos e inclusive testes de diagnóstico. Além do mais, não contamos com as ferramentas contra a transmissão residual que ocorre quando as pessoas não estão protegidas dentro das suas casas debaixo de um mosquiteiro. Consequentemente, o progresso tem-se visto estagnado de há três anos a esta parte.
A comunidade internacional tem grandes esperanças numa nova ferramenta que poderá estar disponível no final deste ano: a vacina RTS,S. Após a conclusão dos ensaios de eficácia tradicionais, foram implantados em África, em anos recentes, três projetos-piloto destinados a avaliar a eficácia da vacina em condições reais. Os resultados destes estudos-piloto serão analisados este verão, esperando-se que no outono de 2021 a OMS decida se recomendar ou não a utilização estendida da vacina.
A comunidade internacional tem grandes esperanças numa nova ferramenta que poderá estar disponível no final deste ano: a vacina RTS,S
Todavia, também a vacina RTS,S é apenas parcialmente eficaz, o que significa que todos os outros esforços deverão continuar sem interrupções. A boa notícia é que a COVID-19 veio mostrar-nos que, tendo um objetivo claro e recursos abundantes, a ciência pode avançar a um ritmo espetacular. Esperamos poder aprender esta lição importante e que a comunidade internacional trabalhe em conjunto com o fim de desenvolver uma nova geração de intervenções contra a malária que nos permitam caminhar rumo à eliminação desta antiga e mortífera doença.